Rodam os ponteiros, passam os
dias, caem os cabelos. Os dedos tamborilam na quina da mesa de plástico do bar
de sempre enquanto a bebida não chega. Ponta do pé no chão, noite fria, pernas
inquietas. O casaco vermelho de listras azuis fede – embora esquente – e é
praticamente a minha solidão materializada. Não tenho mais quem cheire minhas
roupas usadas e diga que estão sujas, mas podem ser vestidas novamente.
O cigarro cada vez mais caro, o
catarro cada vez mais grosso. O corpo, mais velho. O copo, mais vazio. Está
tarde. Estou numa mesa de esquina, sentada do lado de fora. Conhecidos passam por mim e fingem não me reconhecer. Estranhos sorriem
encabulados quando nossos olhares se cruzam. Coço o nariz involuntariamente
quando isso acontece. Eu nunca sei o que fazer com as mãos quando me sinto
vulnerável, você sabe.
A cabeça gira, e a cachaça já
virou drink. São nas mesas dos bares de sempre que as coisas acontecem. As
confissões, as ideias pretensamente geniais de egocêntricos que querem mudar o
mundo, os debates acalorados entre pessoas de opiniões divergentes. Somos uma
repetição do passado: bêbados cheios de raiva, amor, vergonha e impulsos contidos
que vez ou outra explodem. Somos os mesmos de antes, mas agora temos acesso à
internet. A mola propulsora das nossas relações, no entanto, continua sendo uma
mesa, uma mesa qualquer com alguns copos em cima.
Vagarosamente, a lua desaparece.
A névoa causada pelo tempo – ou pela cerveja e doses de cachaça e vodka? – não
me permite identificar em que fase ela estava, só sei que cheia não era.
Reflexos laranja tingem o céu desbotado e penso em você, e nas noites em que
amanhecemos juntos, vendo o céu e os nossos rostos mudarem de cor.
Penso no amor, esse amor que nós
– os de agora e os de antes – inventamos. Nós, amor, amor e nós, laços sempre
tão frouxos compostos de fios finos e frágeis que precisam das nossas
narrativas lógicas para que a falta de sentido não nos deixe enlouquecer.
Porém, continuamos loucos. Continuamos podres, imundos, chafurdamos na lama da
existência buscando nos outros o sentido das nossas vidas.
Levanto e me sinto tonta. Pago a
conta do bar, que já está fechando. Garçons e garçonetes sonolentos, que vão
pegar dois ônibus para chegar em casa, tentam expulsar gentilmente aqueles que
insistem por mais uma bebida. Dentro da minha bolsa, entre lenços de papel
despedaçados por lágrimas escuras de maquiagem derretida e extratos de banco, encontro
um número de telefone rabiscado em um maço de cigarro. A sua presença me faria
muito bem agora. Mas eu não saberia o que dizer e nem onde colocar as mãos,
você sabe. Então disco o número de uma pessoa qualquer.
E o meu casaco continua fedido.
Acho que soube muito bem falar sobre ela mesma. E sobre muitos de nós.
ResponderExcluirAh... os estranhos...