Imagina a sua mão em uma grande tela. É a sua
mão, carne, pele, sangue, unhas. É a sua mão, tão essencial, que manipula
matéria. Garfo, faca, copo, lápis, teclado do celular, serve o café, pega o guardanapo,
escova de dente, apoia no chão pra levantar, abre a carteira, segura o tablet,
toca você mesma e toca alguém, o corpo de alguém, peito, barriga, bunda, rosto,
pé, vagina, clitóris, pênis, pescoço, cabelo, boca. A sua mão. Mas agora ela tá
ali, em uma tela. Representada. É a representação da sua mão, parte tão
essencial, tão presente em tudo, tudo, tudo que você faz na sua vida. Agora ela
tá ali. Só a imagem. Você prefere ver ela se mexendo ou imóvel? Isso importa?
Imagina o seu pé em uma pequena tela. É o seu
pé, carne, pele, sangue, unhas. É o seu pé, tão essencial, que manipula
matéria. Anda, corre, empurra o chão, empurra o tapete, pisa na grama, encosta
na porta, sobe a escada, esfrega no outro pé pra lavar, bate no pé da mesa (AI!),
pula obstáculos, empurra a terra pra tapar o buraco. O seu pé. Mas agora ele tá
ali, em uma tela. Representado. É a representação do seu pé, parte tão
essencial, tão presente em tanta coisa que você faz na sua vida. Agora ele tá
ali. Só a imagem. Você prefere ele se mexendo ou imóvel? Isso te importa?
Calma aí, mas é o outro que tá controlando? Não
é meu corpo pele/osso/cérebro. Eles estão sendo manipulados por alguém? Alguém
filmou tudo enquanto eu não via (ou via? será que foi eu?) de vários ângulos e
de várias distâncias. Muito perto! Olha as pequenas rugas bem de perto formando
ondas de areia, obstáculos tortuosos e linhas paralelas. Muito longe! A mão é
um inseto com cinco patas.
Eles perguntam, eles me perguntam se agora eu
percebo a diferença. Eles dizem que não é a minha mão ou meu pé, é
representação. O outro criou tudo pra mim, pra eu me ver e me sentir completa. "Te
representa sim! É representação! É símbolo, linguagem e comunicação! Matéria
visual da matéria orgânica!"
Mas eu acho que sou eu mesma. É que tudo isso é só
uma expansão.
É meu corpo alargado. Filmaram meu pé, postaram
no facebook. Filmaram minha mão, tá lá. Tá tudo sendo exposto pra todos manipularem
com os olhos. O meu corpo vive agora constituído de duas matérias que se
relacionam. A carne e a imaterialidade dos likes e visualizações. Temos
aqui outra continuidade. O celular é minha terceira mão. A câmera é meu
terceiro olho. Minha página no facebook é meu território, a ponta dos dedos das minhas mãos no teclado do computador também é meu pé, eu caminho. Eu olho e
me identifico.
O oco, assim como a carne, também pulsa.