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quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Matéria visual da matéria orgânica!







Imagina a sua mão em uma grande tela. É a sua mão, carne, pele, sangue, unhas. É a sua mão, tão essencial, que manipula matéria. Garfo, faca, copo, lápis, teclado do celular, serve o café, pega o guardanapo, escova de dente, apoia no chão pra levantar, abre a carteira, segura o tablet, toca você mesma e toca alguém, o corpo de alguém, peito, barriga, bunda, rosto, pé, vagina, clitóris, pênis, pescoço, cabelo, boca. A sua mão. Mas agora ela tá ali, em uma tela. Representada. É a representação da sua mão, parte tão essencial, tão presente em tudo, tudo, tudo que você faz na sua vida. Agora ela tá ali. Só a imagem. Você prefere ver ela se mexendo ou imóvel? Isso importa?

Imagina o seu pé em uma pequena tela. É o seu pé, carne, pele, sangue, unhas. É o seu pé, tão essencial, que manipula matéria. Anda, corre, empurra o chão, empurra o tapete, pisa na grama, encosta na porta, sobe a escada, esfrega no outro pé pra lavar, bate no pé da mesa (AI!), pula obstáculos, empurra a terra pra tapar o buraco. O seu pé. Mas agora ele tá ali, em uma tela. Representado. É a representação do seu pé, parte tão essencial, tão presente em tanta coisa que você faz na sua vida. Agora ele tá ali. Só a imagem. Você prefere ele se mexendo ou imóvel? Isso te importa?

Calma aí, mas é o outro que tá controlando? Não é meu corpo pele/osso/cérebro. Eles estão sendo manipulados por alguém? Alguém filmou tudo enquanto eu não via (ou via? será que foi eu?) de vários ângulos e de várias distâncias. Muito perto! Olha as pequenas rugas bem de perto formando ondas de areia, obstáculos tortuosos e linhas paralelas. Muito longe! A mão é um inseto com cinco patas.

Eles perguntam, eles me perguntam se agora eu percebo a diferença. Eles dizem que não é a minha mão ou meu pé, é representação. O outro criou tudo pra mim, pra eu me ver e me sentir completa. "Te representa sim! É representação! É símbolo, linguagem e comunicação! Matéria visual da matéria orgânica!"

Mas eu acho que sou eu mesma. É que tudo isso é só uma expansão.


É meu corpo alargado. Filmaram meu pé, postaram no facebook. Filmaram minha mão, tá lá. Tá tudo sendo exposto pra todos manipularem com os olhos. O meu corpo vive agora constituído de duas matérias que se relacionam. A carne e a imaterialidade dos likes e visualizações. Temos aqui outra continuidade. O celular é minha terceira mão. A câmera é meu terceiro olho. Minha página no facebook é meu território, a ponta dos dedos das minhas mãos no teclado do computador também é meu pé, eu caminho. Eu olho e me identifico.

O oco, assim como a carne, também pulsa.