10:45 de uma manhã linda em que os meninos jogam futebol e as meninas regam seus girassóis.
Fossem Violetas, as colocaria na janela e deixaria Patrícia narrar uma história bem mais interessante.
Mas Patrícia morreu, eu não sou médium, odeio violetas e o assunto é violência.
Com leituras por finalizar e um ritmo bem mais lento para valsear letrinhas, pensei em correr com a obra do Walter Benjamin para escrever mais tarde. No meio do caminho, tinha uma TV que esqueceram ligada. Lembro-me que, nem tudo são letras, o ritmo e a poesia não estão escritos, resolvo versificar a vida. Então, à TV...
Aos berros, urra o sapo-boi:
"Perdeu nadaaaaaaaaaaa! O diabo quer te fazer acreditar nissooooooooooo. Mas Deus deu ordem lá do céu agora, páááááááára... Quem pode dar um Glória a Deeeeeeeus. Tem alguém aqui no culto ainda?"
Eu, voyeur consciente, observo o tom ofegante dos corações embalados, e o tom assustador do regente da ópera. Pastor, as células do ouvido interno não se regeneram. Qualquer dano causado é irreversível, inclusive a surdez. Ato de amor seria falar mais baixo. Amor? Quê? Este sentimento inescrupuloso não tem nada a ver com isso! Estamos tratando de negócios...
"É esse o boleto da benção, não é pastor?
É o boleto da benção e você pode pagar em 12 vezes sem juros, mas poderá pagar tudo de uma vez também"
Sobre isso não irei falar hoje, quero fugir do asqueroso e nojento lugar comum. Guarde o registro e situe-se da forma como preferir, mas, sinta o clima da congregação!
"Descruza o braço! Homem de Deus não pode ficar com o braço cruzado, tem que estar sempre pronto, preparado!"
Não está falando com o baile todo, não, está falando com um dos seus. O homem está em cima do púpito com os braços cruzados, isso é impossível! Eles são filhos do mesmo Rei. Filhos do sangue que escorre dos ouvidos surdos da congregação. Ele não está aqui.
O mestre de cerimônias se realiza em manobras psicológicas radicais e o debulho em lágrimas cai sobre a comunidade.
Começo a rir. Rir muito alto. Com dores abdominais e falta de ar, gargalhadas saem borbulhando pelo meu umbigo costurado. Gargalhadas. O que é tão engraçado? A reação forçosamente enigmática e procrastinante dos fiéis. Trouxas que pagam o boleto da benção em 12 vezes.
A violência me perpassou...
Eu violento a senhora que gastou a vida naquela igreja e diz em alto e bom som, que, ali, Deus a curou.
Violento o senhor que tira seus óculos e coloca na oferta por ser a única coisa que tem a entregar, violento sem pestanejar.
O pastor me violenta, eu violento as ovelhas dele, e as ovelhas, por sua vez, me violentam porque ontem eu bebi 2 caipiroskas de morango e os bêbados não herdarão o Reino dos Céus.
Me violentam porque eu tenho uma Nossa Senhora de Guadalupe e sou idólatra.
Porque eu estou escrevendo, pensando... porque eu explico a minha fé.
A violência me atingiu...
Somos todos peças deste xadrez, eu sou voyeur consciente.