“O jardim de caminhos que se bifurcam” é um dos
contos de Jorge Luis Borges que liberta a linearidade de algumas
estruturas narrativas estabelecidas, a história do conto é apresentada cheia de
alusões e associações dentro dela, como se fosse um labirinto narrativo ao
nível do tempo e do espaço. Uma narrativa que abre outra, que abre outra e
assim por diante, como uma estrutura de bonecas russas que se englobam uma
dentro da outra. Este conto foi uma primeira inspiração para estruturar a
dramaturgia do TecnoMagia. Por mais que, a cada dia de apresentação, aconteçam
novas cenas e configurações improvisadas, a estrutura literária deste conto do
Borges nos inspira a abrir janelas infinitas. Histórias cruzadas. Janelas, que
abrem janelas, que abrem janelas, como quem navega num browser da
internet (chrome, mozilla, safari etc). Um labirinto de narrativas que se
concretiza em cena, nos objetos, nos efeitos de luz e som, nas relações entre
público e perfomers e no próprio espaço da galeria. Quando pensamos a
dramaturgia deste espetáculo, pensamos espaço e tempo, pensamos com o corpo em
ação na cena. Textos não são apenas letras num papel.
“Deixo aos vários futuros (não a todos) o meu jardim de
caminhos que se bifurcam.(…) infinitas séries de tempos, uma rede cresecnte e
vertiginosa de tempos divergentes, convergentes e paralelos. Essa trama de
tempos que se aproximam, se bifurcam, se cortam ou que se ignoram, abrange
todas as possibilidades.” Este jardim do conto de Borges trata do tempo como
espaço, dos percursos escolhidos para seguir, das possibilidades de futuros e
das aberturas de outras dimensões/realidades paralelas, atributos que hoje
conhecemos tão bem em narrativas de séries como Lost ou Black Mirror. Histórias
que se cruzam, outras que se encerram de repente, outra que se corta e cola
mais adiante, tudo muito conectado com nossos cotidianos de aplicativos e redes
sociais.
Porque Pop-up? Imagine a utilização de um celular hoje em dia: abre-se a janela do app do Instagram, histórias e imagens pulam na sua frente. Fecha-se o instagram, abre-se a janela do facebook, histórias, textos, imagens, vídeos, tudo passando rápidamente diante de seus olhos. Abre-se o wattsapp, áudios com narrativas mais íntimas e cotidianas passam por você. Todo este trajeto dura por volta de dois minutos. Muitas histórias e assuntos, caminhos e narrativas que se bifurcam a cada segundo, a cada nova janela de informação. Janelas, janelas, janelas, janelas, janelas... Pop-ups. Um infinito de possibilidades de aberturas. Uma dramaturgia aberta que se transforma a todo momento, a cada nova mudança da configuração do presente.
TecnoMagia é um espetáculo que acontece no improviso, o texto e as
imagens são construídos pelos atores (ou atletas afetivos) no momento da cena,
diante do público. Um rito que é conduzido por três performers e que necessita
do público da sessão para tirar na sorte as cartas do dia. O jogo acontece da
seguinte forma: Temos doze cartas de figuras mitológicas pesquisadas para o
universo deste trabalho, O Outro, O Monstro, Ciborgue, Fake, Troll, Xamã, A
Inteligência Artificial, Stalker, Vidente, Hacker, Chullachaki e A TecnoMagia,
destes arcanos serão tirados três por dia apenas, o que influenciará nas
temáticas e nas janelas de imagens que se abrirão. Apesar de texto e imagens
postas em cena estarem improvisadas, nós temos uma estrutura de jogo que vai se
repetindo igualmente todo dia, daí a explicação de a dramaturgia se inspirar na
estrutura do conto de Borges e nos pop-ups de computador. Os temas e narrativas
são apresentados ao público e entram em portais (ou pop-ups) que voltam ou não
aos temas do início, depende por que caminhos a improvisação dos atores/performers
(atletas afetivos) e a presença do público da sessão levará. A dramaturgia dos
portais que se bifurcam.
O Grupo Liquidificador propõe com este
trabalho uma experiência sensorial para o público, uma vivência relacional,
recolocando na cena contemporânea o que o teatro tem de mais potente: O encanto
da presença de um ser humano de frente para outro ser humano. O importante é o
encontro e não o “Artist is present” midiático.
Mais do que contemplação, a pretensão é provocar no público uma relação. Os
temas vão percorrendo corredores e pátios, por mundos distópicos, realidades
aumentadas ou vivências espirituais, as narrativas se fragmentam e recompõem-se
a todo tempo, como um diamante refratário de luz. Desde encontros com seu outro
no espelho à luzes em finais de túneis que metaforizam o clichê da morte. Aguardamos
ansiosos o público pra completar este mágico processo de dramaturgia
relacional.
Obs: Toda a concepção de dramaturgia do espetáculo está sendo feita por Fernanda Alpino, Fernando Carvalho e João Quinto.
Imagem
1: Labirinto de Chartres
Imagem 2:
Labirinto de Saint-Quentin
Imagem 3:
Pop-ups diversos
Imagem 4, 5
e 6: Garden Parterre - DeZallier d'Argenville