Em plena temporada de A Cartomante em Goiânia, no dia Mundial do Teatro, me sinto ofegantemente afetada, ao som descompassador de Spinoza. E mesmo que não seja exatamente um som, é um som! É a matéria que compõe o sol, a vida e até mesmo o silêncio. A sinfonia mais linda é feita de vários silêncios.
Sub, síncopa, silêncio, breve, semínima, colcheia. O som está em todas as partes do todo e aqui nesse silêncio ainda ouço o tic tic desse teclado maldito. Malditos são esses dizeres onomatopaicos que se pretendem uma tentativa de reprodução da vida. (puro blá blá blá)
E pensar spinozamente hoje, me fez relembrar o motivo pelo qual tivemos essa ideia do AFECTOS, partindo da violência e refinando esse conceito para um desejo pouco mais sofisticado. A vida seguiu num descompasso tão gigante que, paulatinamente fui me desafetando e Ando e Ando. Mas cruza as minhas narinas um spinozador, me faz ferver, borbulhar os neurônios nunca usados na história criativa desse cérebro prolixo. Isso é o que Spinoza faz.
"O todo é composto pela relação daquelas e somente daquelas partes. Esta relação entre as partes que compõem o todo." diz o spinozador. E aí chegamos numa possibilidade tão maravilhosa, de pensar que o "todo" passa pelo conceito de coletividade, ainda que sozinho no objeto estudado.
E neste conceito de coletividade em um só corpo, a fruição acontece pelo grau de afetar e deixar-se afetar pelas partes do todo, ou do "não-todo". A melhor maneira de saber quem você é relacionar-se, abrir-se para afetar e ser afetado. Aí chegamos num lugar interessante de fluidez do fazer artístico quando deixamo-nos afetar antes de provocar a afetação. Escutar o mundo que o cerca e depois falar desse mundo. Escutar o outro, o silêncio e o desespero.
Depreendemos assim a evolução de falar do corpo através de um conceito de coletividade, ao invés dele como instrumento, porque instrumento é a potencialização de algo que já temos. O martelo potencializa a força, o carro potencializa a velocidade, a calculadora potencializa (e muuuuuuito) a capacidade de pensar matematicamente (ainda mais no meu caso). Tendo em vista que tudo isso é instrumento das nossas capacidades, o corpo não pode ser "instrumento de trabalho" pois não tem a quem ser instrumentalizado, senão por nós mesmos.
Isso ressignifica a potencialidade cênica, pois a produção transcorre através da presença e dos efeitos dela e não apenas pela pessoa, simplesmente... Me fez pensar teatro, dança, vida, ética, política e estética.
Gostei e gozei! Espero que tenha sido bom pra você.
*Livremente inspirado na palestra de Renato Ferracini (ator-pesquisador-colaborador do LUME, desde 1993)
quinta-feira, 27 de março de 2014
terça-feira, 25 de março de 2014
Batalha Real
Mais uma dos Japoneses! Gotta love them!
"
-Bem, agora preciso dizer algo. Vocês encontraram papel e lápis em suas carteiras.
Todos timidamente retiraram seus papéis e lápis. Shuia também seguiu as instruções.
- Então, vocês vão escrever. Para memorizar algo, é o melhor método. Escrevam três vezes: "Nós vamos nos matar uns aos outros".
Shuia ouviu os lápis começando a correr no papel. Ele viu Noriko também segurando o lápis, com o semblante fechado. Enquanto rabiscava essa frase insana, Shuia olhou para o corpo de Yoshitoki, ainda estirado entre as carteiras. Ele recordou o rosto alegre e sorridente do amigo.
Sakamochi continuou:
- Ótimo. Agora, escrevam também três vezes: "Se não matar, serei morto".
Shuia olhou novamente para Fumio Fujioshi. Seus dedos alvos despontando pelas mangas do terninho de marinheiro formavam uma concha delicada. Ela era a encarregada de saúde da classe, do tipo calada, mas muito prestativa. Então ele olhou para Sakamochi.
Desgraçado eu vou apunhalar seu coração com esse lápis.
[ RESTAM 40 ESTUDANTES]
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-Bem, agora preciso dizer algo. Vocês encontraram papel e lápis em suas carteiras.
Todos timidamente retiraram seus papéis e lápis. Shuia também seguiu as instruções.
- Então, vocês vão escrever. Para memorizar algo, é o melhor método. Escrevam três vezes: "Nós vamos nos matar uns aos outros".
Shuia ouviu os lápis começando a correr no papel. Ele viu Noriko também segurando o lápis, com o semblante fechado. Enquanto rabiscava essa frase insana, Shuia olhou para o corpo de Yoshitoki, ainda estirado entre as carteiras. Ele recordou o rosto alegre e sorridente do amigo.
Sakamochi continuou:
- Ótimo. Agora, escrevam também três vezes: "Se não matar, serei morto".
Shuia olhou novamente para Fumio Fujioshi. Seus dedos alvos despontando pelas mangas do terninho de marinheiro formavam uma concha delicada. Ela era a encarregada de saúde da classe, do tipo calada, mas muito prestativa. Então ele olhou para Sakamochi.
Desgraçado eu vou apunhalar seu coração com esse lápis.
[ RESTAM 40 ESTUDANTES]
"
segunda-feira, 24 de março de 2014
Uma Noite de Amor Com Marlon Brando
Era mais um dia de correria. 7h acorda pra poder comer, cagar, fumar e banhar. Sem enrolar pra poder sair e dar tempo de tudo.
Segundo minha agenda pouco usada, o primeiro destino era resgatar pertences encontrados na rua depois de terem sido roubados na cara-dura. Não quaisquer pertences: documentos, papéis e... Meu caderno. Caderno onde tudo era registrado quando existia a disponibilidade de registrar algum pensamento.
Como minha agenda estava apertada, fui apressadamente de encontro com o senhor, que muito gentilmente entrou em contato comigo para alertar sobre a descoberta dos tais pertences.
Procura daqui, procura de lá pelo imenso Teatro Municipal, tinha apenas o nome Marlon Brando para descobrir onde se encontrava o senhor simpático.
Ele apareceu com muita gentileza e receptividade. Agradeci aos céus e a ele por tanto amor e generosidade. Ter telefonado para avisar e ainda ser uma pessoa aberta não se encontra muito por aí. Me levou a um quartinho (como que um vestiário dos trabalhadores do local) para pegar minhas coisas. Procuramos e procuramos. Apenas encontramos um livro, que não era meu, destruído como que pisoteado no carnaval. Mas o resto não estava lá.
Marlon Brando, o senhor de, aparentemente, 50 anos bem vividos, me disse que não sabia exatamente o que tinha encontrado, mas botou o que encontrara no achados-e-perdidos dos Correios da rodoviária ali perto. Não discuti muito, mas não compreendia porquê só o livro havia ficado com ele, já que parecia não ter sido lido, nem aparentar ter despertado o interesse no moço.
- Muito! Mas muito obrigado por isso.
- Não se preocupa.
- Agora é que eu não to mais preocupado! Valeu por me ligar e avisar. Valeu por estar sendo tão legal agora. Não se vê muita gente como o senhor por aí.
- Que isso. Não se vê muitos garotos como você por aí também.
- Não sei nem como... Não sei como agradecer. Não sei como te recompensar, Seu Marlon.
- Preciso de nada não, meu querido. Ta tudo certo. O que fiz foi de coração. Vi sua cara nas fotos. Você é uma pessoa muito bonita.
- Ah, valeu, Seu Marlon.
- Recompensa é você conhecer minha casa. Lá tem o Festival do Morango.
- Claro. Pode ser um ótimo programa.
(Cordialidades e mais blá blá blá do tipo)
- Pois vá, meu querido, que cê ta com pressa, né? Não quero mais tomar seu tempo.
- Tenho que ir mesmo. Obrigado por tudo. Vou lá nos Correios ver no que deu. Tenho que resolver umas coisas ainda. Até! :)
- Até. Mas quero que você saiba que você é muito bonito. Muito mesmo. Deixa eu te acompanhar até a escada.
O que será que vai acontecer? Por que ele me elogia tanto e pega tanto na minha mão? É isso mesmo?
Essa escada é perfeita pra me encurralarem. Assalto ou proteção? Tão simpático, tão generoso. Ta dando em cima de mim? Ta querendo tirar o que me resta de material, ou to sendo neorótico demais?
Ou corria, ou andava ao lado dele pé-ante-pé pra acabar com a minha curiosidade. Bastava esperar uns dez metros para ver o que aconteceria. Meu coração dispara e sinto um pouco de medo. Medo e curiosidade.
Segunda na escada...
Segunda na escada...
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Kael Studart
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