Alguns anos atrás presenciei uma cena curiosa e interessante. Fui assistir o espetáculo "Um Homem É Um Homem" da cia mineira Grupo Galpão e ao final da peça, depois das palmas calorosas da plateia, um dos atores tirou o chapéu que o personagem usava, olhou pro resto do grupo e insinuou com o olhar que iria passar o chapéu para arrecadar um dinheirinho com a plateia. A resposta de um outro ator do grupo (também apenas com um olhar) foi apenas um sorriso e um balançar de cabeça negando a proposição, pedindo para que o chapéu não fosse rodado.
Aquela apresentação estava vindo para Brasília por meio de um grande festival, além de o grupo contar naquele momento com um patrocínio exclusivo da Petrobrás.
Pra quem conhece a história do Grupo Galpão, sabe que a maior parte de seus espetáculos iniciais foram feitos para o teatro de rua e que a passagem do chapéu garantia sua subsistência, além de perdurar uma tradição mambembe do teatro feito para as ruas. Me chamou atenção essa cena, pelo fato de que mesmo com toda a estrutura de grupo construída ao longo dos anos, mesmo com todas as garantias de cachês e gastos de produção, aquele ator estava com o espirito pronto para voltar a passar o chapéu. Estava pronto para voltar a sobreviver de sua arte, de batalhar no corpo a corpo, independente de qualquer estrutura.
Minas Gerais possui diversas industrias e mineradoras que "se dispõem" a patrocinar projetos artísticos. Os artistas do Rio de Janeio possuem uma ótima organização empreendedora. Grupos e coletivos de São Paulo tem força política e organizacional para pressionar o estado pra construção de leis e políticas publicas. E tudo isso não torna mais fácil a possibilidade de sustento continuado com trabalho artístico.
Isto me faz pensar muito sobre Brasília. O que nos diferencia de outros estados? A juventude da cidade? A falta de empresas da iniciativa privada que se interesse por arte? A falta de uma organização política da classe para lutar por direitos mais dignos junto ao estado? Estes são realmente problemas para prosseguir produzindo ou obstáculos que nos fazem desistir?
Certa vez ouvi de um performer aposentado aqui da cidade que a maioria dos grupos e artistas de Brasília possuem um "prazo de validade" de cinco anos. Durante 5 anos produz ininterruptamente, agita a cidade e a própria alma e arrefece diante de uma serie de fatores. Diante da necessidade de sustento e a falta de alternativas viáveis. Diante da demanda altíssima de concursos públicos que a cidade proporciona, trazendo uma "vida melhor" e uma conformação critica.
Temos outras possibilidades e caminhos para aumentar nosso "prazo de validade"? Será que é assim mesmo e assim deve ser? Quais outros meios a cidade ainda não encontrou? Estamos parecidos com aquele ditado sobre o México: "Pobre México, tão longe de deus, tão perto dos EUA". Estamos tão perto dos políticos, das matrizes empresariais, das estruturas governamentais e tão longe de conseguir condições mais dignas. Conheço pouquíssimas pessoas que trabalham com emendas parlamentares, por exemplo. Ou que pressionam o ministério da cultura, logo ali, do ladinho de nossas casas.
Este texto é apenas um desabafo pessoal de um integrante de um Grupo que neste momento procura caminhos para não ser sufocado pela maquina cotidiana. Caminhos diferenciados para não ficar refém a mercê de governos e partidos. O que podemos fazer para trilhar este caminho? Veremos...
Para o momento que passamos, cabe a frase do escritor da peça Um Homem é Um Homem, encenada pelo Galpão: