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quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Todo esse brilho é reflexo do suor? de quem?


Reproduzido do site Rock Brasília Desde 64

por Fernanda Popsonic*

Já há um tempo que alguns amigos vem me pedindo para falar sobrePablo Capilé e o Fora do Eixo também. Resolvi há muitos anos deixar isso para lá. Afinal, não é porque eu havia tido problemas, que eu enxergava algo que não gostava, não era uma garantida de que aquilo não fosse bom realmente. Talvez fosse bom para alguém, né? Então, resolvi seguir a minha vida independentemente de qualquer coisa. Afinal, já haviamos nascido assim. Somos a geração Myspace, DIY. Já haviamos chutado um baterista e o substituído por um computador. Haviamos também gravado um disco todo em casa com um microfone de brinquedo e a guitarra desafinada ligada nocomputador. Nada mais seria um impedimento maior.

Eu vi o Roda Viva dessa segunda-feira. Acho sim que o mídia NINJA tem feito coisas legais e o Bruno sabia o que falava ali. Precisamos sim democratizar nossos meios de comunicação. Mas ali também vi uma organização que não conseguia explicar como era financiada. Era uma contabilidade super-mega-ultra-criativa. Isso não é intriga daoposição, coisa da Veja, do capeta pintado de roxo, golpistas, PIG ou whatever! Tem muita gente que não recebe ali. Eu já passei por isso! Já vi o Pablo Capilé também milhares de vezes pregando o fim dos caches. Artista tem de serpedreiro! Nada contra os pedreiros, ok? Apenas acho injusto trabalhar de graça, doar trabalhos para uma organização se apresentar em meios políticos e se gabar com meu esforço e sem meu consentimento.

Mas voltando à minha história…

Sim, atrasaram cachês, ou melhor dizendo ajuda de custo. Resolvi no grito, depois fizemos as pazes e coisa e tal. Sempre que ia a Cuiabá era super bem tratada, as pessoas eram sempre super legais e já até dormi em uma Casa Fora do Eixo em um colchão jogado no chão. Sempre achei aquelas pessoas super trabalhadoras e devotas daquele serviço para cultura. Quando você pensa nisso num lugar que fica longe de muitas coisas… vc acha bem interessante. Isso te conquista.

Não preciso de mordomias. Esta não é a questão. Já dormimos em estoque de bebidas de casa de show. Já fugimos de furadas com medo de termos os rins roubados e coisa e tal, rsrs. Ninguém aqui está falando de um camarim com maçanetas de ouro e um quadro do Matisse na parede.

Não posso falar muito do Cubo Card, além dos relatos de pessoas do FDE que diziam que realmente funcionava em Cuiabá. Segundo elas, você pode estudar inglês, fazer compras no supermercado e pessoas viviam de cubo cards. Eu apenas comprei alguns refrigerantes na própria casa, hehehe. Tudo bem, o que importa é que as pessoas sejam mais felizes mesmo e se a coisa funciona é porque está cobrindo a lacuna que faltava. Pelo menos era o queparecia. Quem trabalha com artes sabe muito bem que até numa grande capital temos carências culturais sérias. O que dizer daquelas pessoas que estavam trazendo música e todo tipo de artes para sua casa e pelo menos no discurso a ideia era levar boa música para o resto do Brasil? Justo, não?

Aquilo ali era legal! O Capilé parecia ser alguém muito interessante. Aliás, a qualquer um que me perguntar até hoje eu repetirei a mesma coisa: não concordo com muitas das coisas que ele fala, prega e faz, mas o acho um caracarismático realmente.

Eu discordava de muitas coisas ali. Artistas devem ser pagos sim! Técnicos de som também! Acredito que no Brasilse inflacionam tudo, mas um cachê em reais deve ser pago. Especialmente quando o produtor recebe para fazer um evento. Eles também usam nosso nome, nossa marca, nosso esforço para chamar as pessoas, para movimentar as empresas patrocinadoras e os governos. Se deu pouca gente na casa, dá um pouco, se a Petrobras colocou muito ali, paga-se mais e por aí vai.

As bandas que circulavam… tinham qualidade musical discutível, mas eram politicamente bem articulados. Os melhores tocariam em breve com cachês muito melhores em grandes eventos já comandados pelos caciques do FDE. Eles engoliram a Abrafin. Eles engoliram muitos outros festivais, casas, coletivos, selos, pessoas que trabalhavam há tempos ou foram motivadas pelo mesmos. Mas quem colocava seu suor ali? O FDE colocava sua marca e eles vinham aqui apresentar nos ministérios, os incríveis trabalhos que estavam fazendo pelo Brasil inteiro.

Sim, se não fosse o Espaço Cubo e Fora do Eixo, TALVEZ nem saberíamos que existia alguma banda super legal noAcre ainda. Porém, tenho em mente que o FDE não produz nada. Quem fica 10 horas por dia dentro de um estúdiopor um mês somos nós! Quem quase vai a loucura para conseguir fazer alguma coisa somos nós. Quem paga o nosso próprio trabalho independente somos nós, os artistas!

Não posso falar pelos produtores, mas acredito que muitos deles passem pelo mesmo ou perrengues ainda maiores. Li até um post recente do Fernando Rosa. Ele dizia mais ou menos o seguinte: a forma como Capilé fala do que fez pela cena independente é uma afronta a todos nós que estamos trabalhando diariamente para construir isso.

Lendo o relato de amigos eu fico cada dia que passa mais impressionada, mais chocada. Quando eu saquei que o lance era você fazer os trabalhos e colocarem o selo do FDE para sua autopromoção cai fora. Isso há mais de 6 anos atrás.

Em 2007, eu desabafei para um jornalista em um show nosso em São Paulo. Por incrível que pareça foi a primeira vez que não me senti sozinha. Uma outra pessoa me disse “nossa, então você é chamada para tocar num esquema que tem dinheiro público, edital, patrocínio, entrada e não recebe?” Bom, por incrível que pareça esta era uma práticaaté comum entre os festivais pelo Brasil. A Rolling Stone me ligou e fizeram uma entrevista comigo. Eu respondi.

Num outro dia fui para a aula e comecei a receber ligações de forma muito insistente de fora de Brasília. Sai da salaaté meio assustada. Atendi e me falaram o seguinte: se essa entrevista for publicada você pode considerar sua bandaenterrada. Enfim, liguei pro Pil (N.E.: Companheiro de banda e cônjuge) e resolvemos conversar com o Pablo Miyazawa que  foi super gentil e super compreendeu. Minha entrevista não foi publicada, mas outras pessoas começaram a dar depoimentos anonimamente e rolou alguma repercussão. Os festivais começaram a pagar caches nesta época. Fiquei com um bom sentimento no fim das contas e resolvi encerrar meu mimimi por ali.

Realmente não queria escrever sobre isso e me aborrecer novamente. Escrevo porque meus amigos acham que pode colaborar a melhorar a discussão em torno de toda essa história. Muita gente se sente trapaceada como eu me senti por algum tempo.

Àqueles que ainda pretendem entrar no ramo, não desistam! Tem muita gente boa produzindo, abrindo casas, pagando direitinho. Tem muito artista novo, o que é bom… oxigena! É isso aê… vamos discutir e melhorar. Depois, bola pra frente, galera! ,)



*Fernanda Popsonic é vocalista e baixista da banda Lucy and the Popsonics

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Mídia Ninja - Entrevista Roda-Viva




Impressionante a entrevista do roda-viva.
É possível ver claramente uma grande imprensa cínica, com perguntas constantemente capciosas, querendo descredibilizar um movimento em rede que não entra na mesma lógica que empresas e estado instituído.

Enquanto os caras da mídia ninja já trafegam com segurança sobre conceitos de produção em rede, sistemas sustentáveis, economia criativa, industria colaborativa etc, grande parte dos jornalistas dos grandes meios não sabem nem o que perguntar, acostumados que estão com uma lógica essencialmente maniqueísta e completamente parcial.

Não há conversa, me parece apenas uma queda de braço dos grandes veículos de perder poder, representatividade e sentido de existir.

Não vai ser mídia ninja ou qualquer outro veículo a assumir as estruturas, e sim uma multiplicidade de mídias em massa. 

Pra mim está ficando mais claro que, depois de grandes gravadoras da indústria fonográfica a grande imprensa é a próxima a entrar na faca!



domingo, 4 de agosto de 2013

Cabeça Sem Mente - Teatro sem mentiras



Para quem ainda não assistiu ao espetáculo Cabeça sem Mente (no Teatro Goldoni, de 02 a 04 de agosto), hoje é a última chance. Adaptação da comédia Sonho de uma noite de verão, de Shakespeare, a peça se passa numa sala de aula, onde com alunos de "tipos" bem definidos e uma professora politicamente correta e dominadora vão montar uma pecinha de final de ano.


Aos desavisados, a peça pode ser vista como uma comédia leve para adolescentes de ensino médio. Mas as possibilidades de leituras são diversas, há camadas para todos os gostos: Você quer ver uma comédia bem estruturada, com quiproquós pra todo lado? Tem! Você quer ver uma crítica ao sistema educacional, ao ensino de teatro e às estruturas opressoras? Tem! Quer ver uma paródia pop ao universo clássico, balé, literatura e alta cultura? Tem! Discussões sobre o teatro contemporâneo? Performance? Tem!



A performance e os depoimentos pessoais dos atores, incluídos na dramaturgia, deixa qualquer pretensão modernóide de contar uma história pessoal com banquinho e pino de luz, no chinelo. O texto é feito para a boca desses atores. Poucas são as experiências atuais e grupos que têm essa oportunidade. Assim como Shakespeare o fez em sua época, Felícia Johanson dirige e escreve pra seus atores que conhece tão bem. As falas saem como se o texto fosse criado colaborativamente por cada um deles. A dramaturgia é o que há de mais forte. As conexões da adaptação com o texto clássico, os comentários de antigas montagens famosas e os fatos da atualidade tudo é muito orgânico.



O personagem Demêncio, que supostamente não tem mente e curiosamente usa um calção da seleção brasileira de futebol, fará a famosa pecinha de final de ano para o “mundo todo que virá para vê-lo”. Em outra passagem Raylane, a apaixonada,  derrama textos de amor com metáforas hi-tech. Vídeos muito bem operados pelo personagem Robin permeiam toda a montagem, complementam sentidos e trazem graça à cena ao parodiar atuações novelescas e grandes musicais. Cenas diversas que trazem contemporaneidade para as questões da peça sem deixar de dialogar com a tradição.



Cabeça sem Mente conta mentiras com verdade cênica rara. O grupo de atores está muito coeso em suas interpretações caricatas com certa ironia e autocrítica. Dando um soco no teatro que se leva a sério demais e que ninguém mais leva a sério. As piadas e bobagens aparentes  escondem subtextos e duplos (triplos) sentidos para o público descobrir. O Teatro de Mentira é um grupo que trabalha com a verdade do mundo teatralizado que vivemos. Como o próprio Shakespeare é citado na peça, na frase de Wikipédia: “O mundo inteiro é um palco E todos os homens e mulheres não passam de meros atores. Eles entram e saem de cena.” 
Um espetáculo com diversas interpretações, que coloca a comédia no mesmo patamar de peças consideradas sérias.