Para quem ainda não assistiu ao espetáculo Cabeça sem Mente (no Teatro Goldoni, de 02 a 04 de agosto), hoje é a última chance. Adaptação da comédia Sonho de uma noite de verão, de Shakespeare, a peça se passa numa sala de aula, onde com alunos de "tipos" bem definidos e uma professora politicamente correta e dominadora vão montar uma pecinha de final de ano.
Aos
desavisados, a peça pode ser vista como uma comédia leve para adolescentes de
ensino médio. Mas as possibilidades de leituras são diversas, há camadas para
todos os gostos: Você quer ver uma comédia bem estruturada, com quiproquós pra
todo lado? Tem! Você quer ver uma crítica ao sistema educacional, ao ensino de
teatro e às estruturas opressoras? Tem! Quer ver uma paródia pop ao universo
clássico, balé, literatura e alta cultura? Tem! Discussões sobre o teatro
contemporâneo? Performance? Tem!
A
performance e os depoimentos pessoais dos atores, incluídos na dramaturgia, deixa
qualquer pretensão modernóide de contar uma história pessoal com banquinho e
pino de luz, no chinelo. O texto é feito para a boca desses atores. Poucas são
as experiências atuais e grupos que têm essa oportunidade. Assim como
Shakespeare o fez em sua época, Felícia Johanson dirige e escreve pra seus
atores que conhece tão bem. As falas saem como se o texto fosse criado
colaborativamente por cada um deles. A dramaturgia é o que há de mais
forte. As conexões da adaptação com o texto clássico, os comentários de antigas
montagens famosas e os fatos da atualidade tudo é muito orgânico.
O
personagem Demêncio, que supostamente não tem mente e curiosamente usa um
calção da seleção brasileira de futebol, fará a famosa pecinha de final de ano
para o “mundo todo que virá para vê-lo”. Em outra passagem Raylane, a
apaixonada, derrama textos de amor com
metáforas hi-tech. Vídeos muito bem operados pelo personagem Robin permeiam
toda a montagem, complementam sentidos e trazem graça à cena ao parodiar atuações
novelescas e grandes musicais. Cenas diversas que trazem contemporaneidade para
as questões da peça sem deixar de dialogar com a tradição.
Cabeça
sem Mente conta mentiras com verdade cênica rara. O grupo de atores está muito
coeso em suas interpretações caricatas com certa ironia e autocrítica. Dando
um soco no teatro que se leva a sério demais e que ninguém mais leva a sério.
As piadas e bobagens aparentes escondem subtextos e duplos (triplos) sentidos
para o público descobrir. O Teatro de Mentira é um grupo que trabalha com a
verdade do mundo teatralizado que vivemos. Como o próprio Shakespeare é citado na peça, na frase de
Wikipédia: “O mundo inteiro é um palco E todos os homens e mulheres não passam
de meros atores. Eles entram e saem de cena.”
Um espetáculo com diversas interpretações, que coloca a comédia no mesmo patamar de peças consideradas sérias.
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