O que o senhor tá procurando, só vai achar no Bazar dos
Bezerra. Fale com Mamita Bezerra. É a matriarca. Perdeu um olho fritando
biscoito de polvilho. Dizem que foi num respingo de óleo tão quente e tão grande
e certeiro, que fritou seu olho ainda vivo. Ela usa um olho de vidro, que
francamente é mais expressivo que o outro. O rosto num geral ficou em dúvida,
os olhos são zangados, fazem contraste com os lábios sempre sorrindo que falam
uma voz zangada, com risinhos bizarros no fim das falas. Ela é gerente do
negócio da família desde o misterioso desaparecimento do marido Pepe. Petrônio
Bezerra. Dizem que numa noite sem lua, o velho ouviu uns ruídos estranhos na
loja e desceu para investigar armado com um rodo de ferro. Nunca mais foi
visto. Bizarro. Mamita desceu pra loja ao amanhecer imaginando que Pepe tivesse
dormido no sofazinho perto da porta. Como um cão de guarda. Encontrou apenas o
rodo encostado e nunca mais teve notícias de Pepe. O pior é que veio um
silêncio de constrangimento tão grande da cidade toda, que nem o delegado teve
coragem de se intrometer para investigar nada. No dia do sumiço, dizem que ela
preparou o café da manhã para Marlon e Melvin, os gêmeos estrábicos e para
Petrina, a mais velha, que tem hipotiroidismo e uns olhos esbugalhados e
saltados das órbitas. Bem, ela preparou o café, acordou a família para o
trabalho e anunciou que Petrônio Bezerra não morava mais naquela casa. Dizem
que Marlon apenas abriu a boca para falar e ela num surto quebrou toda cozinha,
jogou geléia e leite quente nos rapazes e tacou ovos em Petrina gritando: - Não
se fala mais nisso! - Não se fala mais nisso! Depois arrumou tudo diante do
olhar perplexo e bizarro dos filhos e ordenou: - Vamos abrir o bazar! Os
filhos, com medo de um novo ataque, tratavam de disfarçadamente proibir o
assunto. Quando um freguês perguntava pelo pai:-psssssssssssst!!! e apontavam
para a mãe discretamente fazendo sinais que diziam "não se fala mais
nisso". Os Bezerra tem família na Europa. Recebem de tempos em tempos,
caixas e caixas de roupas para doação. Vem de navio. Este é o principal produto
do bazar. Roupas usadas, sapatos usados, óculos até de grau, aparelhos de
surdez... dizem que são pertences de gente morta da Alemanha. O bazar tem um
cheiro estranho de naftalina misturada com perfume gasto dos antigos donos das
roupas usadas, misturado com cheiro de biscoitos caseiros. Biscoitos caseiros
também tem pra vender no bazar. Petrina cuida da estante dos biscoitos. Marlon
e Melvin sempre jogam cartas enquanto não chega a hora da escola. Eles são
bedéus do Carmem Salles, aquele colégio do tiroteio que matou trinta e duas
crianças, sabe? Deu em todos os jornais antes da novela. Uma tragédia. O
assassino deu um tiro na cabeça, na frente de Marlon e Melvin. Dizem que ele
pronunciou algumas palavras diretamente para os dois antes dos miolos
explodirem... Acho que é invenção do povo porque na noite daquele dia
sangrento, que Deus me perdoe e nos proteja, Marlon e Melvin brincavam de balanço,
gargalhando, cantando e uivando... Acho que quem faz isso, brinca assim se
divertindo não ouviu palavra nenhuma de assassino. Eu acho. Olha, todos da casa
usam as roupas do bazar. É muito fácil identificar. Roupas da Europa, fora de
moda, cada xadrez moribundo... Roupas de frio estranhas. Eles são assim, todos
bizarros. Mamita Bezerra organiza muito bem as peças nas araras em ordem de
cores. Vai facilitar pro senhor. Do mais claro para o mais escuro. Faz isso o
dia todo. Todos os dias. As vezes parece que ela acha ruim que alguém entre lá
pra bagunçar, mas é só impressão. Mesmo assim cuidado com ela. Petrina é um
doce, mas não fala com estranhos. Bom, melhor o senhor se apressar. É que o
bazar fecha pro almoço e só abre no dia seguinte.
Ana Tirana
Acho que se procurarem bem, bem mesmo,Marlon e Melvin podem se sair muito bem numa investigação profunda sobre o desaparecimento de Seu Pepe. Lógico, sem mamãe saber,daí várias desventuras mudariam o cotidiano e o jogo de cartas de todos os dias...segredos sombrios familiares...ou não, pior, depararem-se com uma família tão comum que aí sim os assustaria, não como o asssassino, esse passou rápido...pelo menos, eu acho.
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