O caderninho com o conto ele deixou na minha casa. Peguei, li e, por falta de um encontro formal pra finalizar o texto, resolvi estuprá-lo (o conto) e finalizar sozinho.
Ricardo, caso se sinta ofendido por não ter tido oportunidade de opinar, ou de não ter gostado do destino que dei aos personagens, você tem a liberdade soberana de remodificar o post.
Então... Vamos a ele!
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Conto Sem Título
Era uma dessas noites de frio cortante, quando nem os grilos
se aventuram a cantar. Havia um homem sentado numa parada de ônibus. Fazia o
possível para se esquentar numa noite tão fria, enquanto carros apressados
cortavam a quietude de sua solidão. Se o visse, notaria que esse homem tinha
uma feição distante, olhos de quem poderia esperar ali por décadas. E ali ele
ficou, enquanto a cidade se movia, ele ficou ali parado e observando. Seus
olhos eram os de quem remoia algum sentimento do passado, olhos de quem tem
raiva de si mesmo.
Se nesse momento você passasse por essa parada e visse esse
homem, provavelmente se assustaria pois seus olhos pareciam tramar algo
terrível. Mas isso não era verdade. Ele apenas lembrava de seus amigos e de
dias mais ruidosos. E um tímido sorriso brotava de sua face. Mas isso logo ia
embora e ele praguejava a demora do ônibus. Distraído em suas memórias, foi
trazido à tona pelo absurdo barulho do ônibus chegando.
Sem provocar o mínimo ruído, entrou no ônibus, pagou, e seu
silêncio foi brutalmente interrompido pela catraca e pelo urro do grande
ônibus. Sentou-se. Mas ainda havia um silêncio nele, um denso silêncio como
uma noite de neblina. Na verdade, o Estrondo Absurdo dos movimentos do ônibus
tornavam esse silêncio ainda mais profundo e impossível. Era um silêncio tão
persistente que ele podia falar em voz alta e isso não passaria de um mero
sussurro para quem ali estivesse.
Esse homem parecia
agora gradualmente mais apreensivo e ansioso à medida que o ônibus se
aproximava do seu destino. Estava visualmente incomodado com aquela melancolia
amarga que incomoda no coração.
E ia, que como um cão que percebe a proximidade do dono.
Levantou-se de sobressalto e puxou a cordinha dando sinal para parar. Quase se
arrebentou com a brusca freada, mas logo já estava caminhando rumo ao seu
destino. Pela hora não conseguiria outro ônibus que o levasse até a Asa Norte,
o que significava (?) parar na Esplanada e caminhar o resto do trajeto.
O que não lhe incomodava de jeito nenhum. Muito pelo contrário. Essa caminhada
lhe daria a paz de que precisava, pensava ele. E lá ia ele caminhando por
alguns lugares que mais pareciam abandonados do que partes de alguma coisa.
Permanecia em completo silêncio, mas algo em suas feições parecia
tranquilizar-se à medida que caminhava.
Andava sem a menor pressa. Usava esse momento pra pensar um
pouco, e isso o impunha ora uma irritação enérgica, ora uma alegria leve. Foi
assim caminhando nessa bipolaridade por aproximadamente uma hora antes de
chegar ao seu destino. Como era de se esperar, o fim da via cruzes, era um bar.
Não havia nada de especial nesse bar. Talvez, apenas as pessoas e suas
histórias. Fora isso, um barzinho pé-sujo e sem-vergonha. Ele se aproximava com
cautela, mantinha distância como um caçador experiente.
Foi então que a avistou. Charmosa como sempre! Mas havia
algo de diferente em seu jeito de ser. Parecia alheia às conversas e
burburinhos que lhe cercavam, mesmo que participasse com risos e comentários.
Algo a incomodava, mas ela era boa em disfarçar essas coisas. Não dele. Nunca
dele. Ele a conhecia profundamente e sabia que havia algo errado, mas preferia
observar o desfecho ao interferir. Decidiu aproximar-se do balcão do bar
discretamente para não ser notado. Realmente precisava de uma cervejinha.
Não passou muito tempo até que um grupo de pessoas chegasse
à mesa dela. Reconheceu alguns rostos, mas nenhum lhe chamou atenção.
Permaneceu distante pois notou que ela estava ancorada no celular pot muito
tempo... Esperava por alguém.
A conversa ao telefone a angustiava. Suas sobrancelhas não
conseguiam escondê-lo. Ele novamente vai ao balcão pedir outra cerveja para que
não o vissem.
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Bebeu-a silenciosamente em uma virada de copo apenas,
como de costume. Cada copo, um gole. Cada silêncio, uma garrafa. E, a cada
nível emergente de embriaguez, menos invisível ele era. Isso ele não podia
evitar, por mínimo que fosse o teor alcoólico da cerveja, por mais tolerância
que tivesse às drogas.
Já cansado de bebericar no copo, levou a garrafa de
litro à boca, que grudou como uma ventosa. Uma garrafa na vertical, de
ponta-cabeça, despejando sua cevada líquida e de baixo teor na cabeça rígida e
tolerante, inclinada na horizontal. Esse era seu quadro preferido.
Perpendiculares em sua composição geram loucura e alucinação ao resto do corpo
que a sustenta. Um corpo arqueado e imerso naquela elegante sensação que é o
voo alcoólico. Quando, ao tomar uma larga escala de morte-lenta, a cabeça
continua girando para traz até atravessar as costas e regressar ao ponto
inicial. Tudo isso, para pensar (silenciosamente) apenas nela, em nada mais.
Finda o denso e extravagante gole. O corpo volta à
postura ereta de homo sapiens
regular, tonto, mas civilizado. Ele olha para o lado e a enxerga. Ela o encara
a uma distância de apenas 5 metros. 5 metros!
Ele a acompanha com os olhos, a desnuda à distância e afaga seus cabelos
secos e modernos. Ela parece fixada nele e, o que havia entre os dois, era uma
densa camada de eletricidade radioativa. Era o que ele via. E tudo estava
inerte, o tempo dilatou-se em centenas de anos. Mas, o primeiro milésimo de
segundo desde a primeira olhada em que seus olhos fecharam para lubrificar os
olhos desidratados, foi o suficiente para perder controle do magnetismo.
Impressionantemente, o tão breve e insignificante momento de escuridão de uma
piscada, foi o tempo certo para deixar de acompanhar os movimentos que ela deu
para perder o olhar e dar dois passos em direção ao banheiro.
Desiludido e com os olhos pouco mais lubrificados do
que o normal, silenciosamente botou a garrafa de litro no balcão, pagou a conta
das duas cervejas e seguiu andando. Na sua longa, silenciosa e solitária
caminhada pensou nela. Fez juras de amor ultrarromânticas, uivou seu choro
infeliz e praguejou contra si. Arrastou-se pelos terrenos baldios do centro.
Atravessou cercas, pulou buracos profundos e subiu os degraus de um edifício em
construção. Chegou ao terraço e deitou-se ao frio do vento que venta o topo de todo
edifício. Lá mesmo ele dormiu coitado e inofensivo. E delirou repetidamente a
promessa de nunca, nunca mais piscar, para que nenhum desgraçado milésimo de
segundo arruinasse um possível segundo contato com ela.
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