Páginas

domingo, 19 de abril de 2015

2ª Confraternização de Grupos de Teatro do DF - Imperou o Amor!



No dia 17 de abril (2015) aconteceu, com realização do Grupo Liquidificador, a segunda confraternização de Grupos de Teatro do DF. Passaram muitos representantes dos grupos daqui. Virtú, Tripé, Andaime, Liquidificador, Concreto, Novos Candangos, De 4 é Melhor, Celeiro das Antas, Desvio, Sutil Ato, Viçeras, Confabula, Teatro de Açucar, Amacaca e outros que, pela quantidade de grupos formados no DF, não vamos conseguir elencar. Além de figuras queridas que não fazem parte de grupos mas compactuam no amor.

Para além das adversidades de continuar produzindo teatro no Distrito Federal, nesta noite imperou o amor. Este movimento vem acontecendo e ele é poderoso. Grupos próximos, amigos, que se gostam, que não se separam por linhas estéticas mas se unem por paixão. Mais do que tudo, um ato político baseado no afeto. Por ser o afeto das coisas mais subversivas ultimamente num mundo que privilegia a solidão individualista.

O estado poderia olhar para este movimento que vem ocorrendo e que necessita políticas urgentes. Mas também, caso não olhe, ele vai continuar e será maior, ao ponto que não terá como ignorá-lo. É como disse nosso atual Secretário de Cultura: “Não temos o FAC mas temos a faca nos dentes!”. Agradecemos imensamente ao Balaio por ter cedido espaço para esta festa acontecer. Este bar/espaço cultural que transcende a cada dia seu posicionamento político na cidade, escrevendo uma grandiosa história de luta e resistência.


Deste encontro surgem novos trabalhos, contatos, ideias, utopias e muitos etcéteras. Aos muitos grupos que não puderam comparecer ou não se sentiram a vontade de participar: Isto não é uma patota! O interesse é aglutinar e confluir vontades. Coração de mãe mesmo, quanto mais melhor!



O amor prevalecerá!





























domingo, 12 de abril de 2015

A Figura Central




Por que há necessidade em eleger uma Figura Central dentro de um Grupo de Teatro? É realmente primordial ter uma face para representar o grupo? Como é esta história de que o grupo "é uma tal pessoa"? Se um grupo fosse tal pessoa, haveria sentido chamá-lo de grupo? Estas perguntas iniciais são questões muito caras ao Grupo Liquidificador e debatemos constantemente. O desejo deste texto é desmistificar um pouco o imaginário comum sobre a quase obrigatoriedade da existência da Figura Central e de uma estrutura hierárquica verticalizada na dinâmica de trabalho de grupo, afinal já existem dezenas de dinâmicas de grupos teatrais. Ou mesmo novos modelos de qualquer outro tipo de agrupamento.

Passada a fase de formação, nosso Grupo promove o debate permanente desta questão estrutural há pelo menos três anos, mas ainda assim temos uma imagem distorcida perante os outros. Procuram elencar entre nós uma figura que responda pelo grupo inteiro, como um chefe. Como isto tem sido reincidente, estas linhas são necessárias, não por irritação, mas como esclarecimento maior de nossos processos e formatos horizontalizados. Implantamos radicalmente o conceito de teatro colaborativo, mesmo que isto custe algumas desvantagens, como velocidade dos procedimentos, esta é uma opção consciente que fizemos. Grupo é grupo, não tem uma face, tem uma simbiose de faces. Cada integrante precisa ter total consciência de seu protagonismo dentro do funcionamento do coletivo, uma espécie de unimultiplicidade. Costumamos dizer que somos como um Megazord (robô do programa Power Rangers), cada um com sua potência individual colocada para formação de um corpo gigante mais potente.

Quem é a figura central? Continuemos percorrendo o texto pra procurá-la.

Podemos elocubrar que isto provém de uma série de micro e macro estruturas sociais existentes, talvez venha daí o costume dos trabalhos de escola, grupos capengas, com um ou dois líderes carregando o resto para ganhar nota. Há também a estruturação de família nuclear, papai, mamãe, filhinhos. Os progenitores e sua prole. Outra estrutura comum: a Pátria. Com a figura do líder salvador, do pai (ou mãe) da nação, reproduzindo a família tradicional do campo micro no macro estatal. Estas ultimas noções grupais citadas são quase um mantra repetido no inconsciente inventado por nosso amigo Freud: "Minha pátria, minha mamãezinha querida." "Meu pai chefe governante." No grupo de teatro nós costumamos até a nos chamar por família vez ou outra, mas num novo tipo de formação, não uma família nuclear, acreditando assim estarmos apontando para novos tempos, novas estruturas. Não teremos aqui um Pai Castrador nem mesmo uma Matriarca.

Vivemos numa Fratria. Um conjunto de irmãos mantendo a relação fraternal constante. Queremos e construímos todos os dias esse lugar. Tudo caminha mais devagar, pois decidimos em grupo até a cor da coleira do cavalo do bandido. Mas nos traz uma satisfação imensa no fim das contas, uma satisfação de pertencimento sem igual. O tal do empoderamento. 

Por onde anda a figura central?

Existem legítimos Grupos Teatrais que naturalmente elegem um líder. Ou por admiração intelectual, ou por respeito simbólico e assim por diante. Outros grupos levam no próprio nome o nome do dono. Existem também aqueles grupos com um ou dois integrantes que contratam o restante dos profissionais envolvidos nos espetáculos como "prestadores de serviço". Existem até os que elegem a figura central por assembléias. Nestes grupos de estrutura arcaica, ou tradicional/secular (depende da carga semântica que queira dar), há uma figura como o "dono/chefe" da companhia.

O grupo de figura central eventualmente pode ficar fragilizado quando esta figura não estiver passando por uma boa fase. Ou tiver algum estudo/projeto pessoal pra realizar. Neste caso não existe uma balança nas tarefas, apenas uma espécie de Atlas carregando todo o grande peso do mundo nas costas.

E o diretor não é a figura de destaque dentro de um grupo?

Sobre a direção, há uma tendência de eleger o diretor como o chefe intelectual que talvez no nosso país seja influência do histórico brasileiro dos anos 80/90. Aquele que dá a palavra final, aquele que tem as ideias e faz-se corpo presente nos atores mas de corpo ausente na cena. Ainda por cima existe a mística de que a direção é realizada por um ser iluminado que salvará os atores como se fosse um xamã ou um pastor de rebanho, e trará a resolução de todos os problemas físicos e metafísicos para os anseios do elenco. Neste tipo de colaboração artística que tentamos implantar constantemente no Grupo Liquidificador, a direção é só mais uma função da engrenagem, fazendo a unificação estética das diversas propostas, quase que um coordenador de organograma e de humores, não como um centro de criação, já que o centro neste caso muda de lugar de acordo com o momento da montagem.

Direção é também a arte de espectador. Afinal ele é o primeiro espectador. Um proto-espectador. É comum também pensar a direção como a  necessidade de formatação do ator à uma linguagem de encenação concebida por um indivíduo. Buscamos olhar por um outro viés, a direção tem a função de libertação do ator, para que este não precise ter aquele olhar de fora no momento do jogo. Mas antes de cair pra cena, a encenação é amplamente discutida em conjunto. Nos consideramos mais como um grupo de encenadores. O que para alguns pode soar como fraqueza de decisões ou multiplicidade de gêneros, para nós é justamente o contrário, aqui mora o lugar de potência.

Augusto Boal já dizia:
"Um poeta pode acordar no meio da noite  e escrever um belo poema, basta inspiração. Um pintor pode pintar quadros em minutos ou anos, como se sentir melhor. Mas artistas de artes coletivas não podem convocar expectadores às três da madrugada, alegando que só nesse momento sentiram a inspiração vindo. 
Teatro é arte coletiva. Respeito e disciplina são essenciais!"

Paradoxalmente, são as restrições as que mais fortalecem e permitem a liberdade. Liberdade que é construída somada à liberdade do outro e não como diz aquele ditado meio fascistóide de que "nossa liberdade começa quando termina a do outro". Nossa arte teatral tem a ver com atrito, a produção da diferença a partir do encontro de figuras de mundos e origens díspares. Para nós, sem este movimento de desequilíbrio e equilíbrio não há descoberta, não há invenção. Aliás, este desequilíbrio é o próprio movimento que nos interessa, não o caos, mas a dança com o kaos.

Nos processos artísticos do Liquidificador, ninguém manda na sala de ensaio. A obra vai falar mais alto no fim das contas, e todos estão jogando ali pela obra. Entre os participantes desse tipo de processo torna-se primordial o diálogo infinito, a sedução, o ceder, o endurecer, o abrir, fechar, voltar atrás, desapegar. É um movimento de fricção constante interessante, um complexo exercício brutal de democracia com todos seus percalços. Prevalecendo a potência da obra/processo.

Mesmo se a direção artística do grupo estivesse a cargo das decisões de uma pessoa só (o que não é o nosso caso), a gestão continuaria numa dinâmica compartilhada. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. O grupo não é, necessariamente, do diretor. Façamos sempre esta reflexão relativizada para cada grupo, antes de sair tomando conclusões pré-concebidas a procura da figura central dentro de grupos mais horizontalizados, pois nestes casos ela não existe e não há relativização para isso. 

Essa dinâmica é relevante que seja amplamente divulgada, pois acredito não sirva apenas para grupos teatrais. O micro também cabe em grandes escalas. Este modelo numa empresa qualquer pode tornar seus empreendedores conscientes de seu processo produtivo do início ao fim. Num estado democrático, pode gerar cidadãos conscientes de suas próprias responsabilidades e direitos, sem precisar dizer que a culpa é da mãe toda vez que se indignar. Porque o pai e a mãe estariam mortos neste caso. Por fim, diretor não é o salvador da patria nem o psicólogo dos atores, todos integrantes são responsabilizados conscientemente por todas as questões. Um teatro de autoria radicalmente coletiva.