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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O BIZARRO BAZAR DOS BEZERRA




O que o senhor tá procurando, só vai achar no Bazar dos Bezerra. Fale com Mamita Bezerra. É a matriarca. Perdeu um olho fritando biscoito de polvilho. Dizem que foi num respingo de óleo tão quente e tão grande e certeiro, que fritou seu olho ainda vivo. Ela usa um olho de vidro, que francamente é mais expressivo que o outro. O rosto num geral ficou em dúvida, os olhos são zangados, fazem contraste com os lábios sempre sorrindo que falam uma voz zangada, com risinhos bizarros no fim das falas. Ela é gerente do negócio da família desde o misterioso desaparecimento do marido Pepe. Petrônio Bezerra. Dizem que numa noite sem lua, o velho ouviu uns ruídos estranhos na loja e desceu para investigar armado com um rodo de ferro. Nunca mais foi visto. Bizarro. Mamita desceu pra loja ao amanhecer imaginando que Pepe tivesse dormido no sofazinho perto da porta. Como um cão de guarda. Encontrou apenas o rodo encostado e nunca mais teve notícias de Pepe. O pior é que veio um silêncio de constrangimento tão grande da cidade toda, que nem o delegado teve coragem de se intrometer para investigar nada. No dia do sumiço, dizem que ela preparou o café da manhã para Marlon e Melvin, os gêmeos estrábicos e para Petrina, a mais velha, que tem hipotiroidismo e uns olhos esbugalhados e saltados das órbitas. Bem, ela preparou o café, acordou a família para o trabalho e anunciou que Petrônio Bezerra não morava mais naquela casa. Dizem que Marlon apenas abriu a boca para falar e ela num surto quebrou toda cozinha, jogou geléia e leite quente nos rapazes e tacou ovos em Petrina gritando: - Não se fala mais nisso! - Não se fala mais nisso! Depois arrumou tudo diante do olhar perplexo e bizarro dos filhos e ordenou: - Vamos abrir o bazar! Os filhos, com medo de um novo ataque, tratavam de disfarçadamente proibir o assunto. Quando um freguês perguntava pelo pai:-psssssssssssst!!! e apontavam para a mãe discretamente fazendo sinais que diziam "não se fala mais nisso". Os Bezerra tem família na Europa. Recebem de tempos em tempos, caixas e caixas de roupas para doação. Vem de navio. Este é o principal produto do bazar. Roupas usadas, sapatos usados, óculos até de grau, aparelhos de surdez... dizem que são pertences de gente morta da Alemanha. O bazar tem um cheiro estranho de naftalina misturada com perfume gasto dos antigos donos das roupas usadas, misturado com cheiro de biscoitos caseiros. Biscoitos caseiros também tem pra vender no bazar. Petrina cuida da estante dos biscoitos. Marlon e Melvin sempre jogam cartas enquanto não chega a hora da escola. Eles são bedéus do Carmem Salles, aquele colégio do tiroteio que matou trinta e duas crianças, sabe? Deu em todos os jornais antes da novela. Uma tragédia. O assassino deu um tiro na cabeça, na frente de Marlon e Melvin. Dizem que ele pronunciou algumas palavras diretamente para os dois antes dos miolos explodirem... Acho que é invenção do povo porque na noite daquele dia sangrento, que Deus me perdoe e nos proteja, Marlon e Melvin brincavam de balanço, gargalhando, cantando e uivando... Acho que quem faz isso, brinca assim se divertindo não ouviu palavra nenhuma de assassino. Eu acho. Olha, todos da casa usam as roupas do bazar. É muito fácil identificar. Roupas da Europa, fora de moda, cada xadrez moribundo... Roupas de frio estranhas. Eles são assim, todos bizarros. Mamita Bezerra organiza muito bem as peças nas araras em ordem de cores. Vai facilitar pro senhor. Do mais claro para o mais escuro. Faz isso o dia todo. Todos os dias. As vezes parece que ela acha ruim que alguém entre lá pra bagunçar, mas é só impressão. Mesmo assim cuidado com ela. Petrina é um doce, mas não fala com estranhos. Bom, melhor o senhor se apressar. É que o bazar fecha pro almoço e só abre no dia seguinte.



Ana Tirana

Um comentário:

  1. Acho que se procurarem bem, bem mesmo,Marlon e Melvin podem se sair muito bem numa investigação profunda sobre o desaparecimento de Seu Pepe. Lógico, sem mamãe saber,daí várias desventuras mudariam o cotidiano e o jogo de cartas de todos os dias...segredos sombrios familiares...ou não, pior, depararem-se com uma família tão comum que aí sim os assustaria, não como o asssassino, esse passou rápido...pelo menos, eu acho.

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