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quinta-feira, 13 de outubro de 2016

"Oco do oco do sem fim do mundo" ou o post que eu queria antes do BUG!

Perguntas a quem puder respirar...

Em quantas selfies você já apareceu sem querer?
O que as suas câmeras estão vendo agora?
Imagina se por aí andasse um outro de você, quase igual a você, mas com pé de animal? Se você anda  o tempo todo de sapatos é perigoso que nem saibam que é esse quando ele não for você... é por isso que ninguém posta foto do pé na foto de perfil?

Quais seus rituais caseiros ou cotidianos? Quantas vezes você confere o gás? Já voltou para ver se a janela estava aberta e ela estava fechada? Parece que se você tem um número tal de louças que encaixam na lava-louças você vai ter sorte financeira! Hm! Mas eu nem tenho lava-louças... seria eu desperdiçando a sorte?

Quem somos nós? Seríamos esses do face? Seria a tecnologia agindo na expansão do nosso corpo? Por que o meu corpo físico é mais concreto que o meu corpo virtual? Eu tenho um corpo virtual?


domingo, 20 de abril de 2014

Domingo é dia de missa


Neste sagrado domingo de páscoa, decido abster-me dos meus impulsos carnais e autorais e de quaisquer influências estéticas/espirituais violentas, malévolas ou subversivas, e devoto meu primeiro post neste blog a ser o bom cristão que me ensinaram a ser, em respeito a todas as hóstias que já caguei e a todas as punhetas que já confessei, citando um dos meus trechos prediletos da Bíblia, e uma belíssima oração/canção.



"Quando uma mulher, com voz de soprano, emite suas notas vibrantes e melodiosas, ao ouvir essa harmonia humana meus olhos se enchem de uma chama latente, e lançam fagulhas dolorosas, enquanto que em minhas orelhas parece ressoar o fragor da canhonada. De onde pode vir essa repugnância profunda por tudo o que tem a ver com o homem? Se os acordes se desprendem das fibras de um instrumento, a percepção só transmite a meu ouvido a impressão de uma doçura capaz de fundir os nervos e o pensamento; uma dormência inefável envolve, com suas papoulas mágicas, como um véu que filtra a luz do dia, a potência ativa dos meus sentidos e as forças vivazes da minha imaginação.

Contam que nasci entre os braços da surdez! Nas primeiras épocas da minha infância, não ouvia o que me diziam. Um dia, pois, cansado de calcar com os pés a trilha abrupta da viagem terrestre, e de seguir, cambaleando como um bêbado, através das catacumbas obscuras da vida, levantei vagarosamente meus olhos melancólicos, rodeados por um grande círculo azulado, para a concavidade do firmamento, e ousei penetrar, eu, tão jovem, nos mistérios do céu! Nada encontrando do que procurava, ergui minhas pálpebras aterradas mais para cima, ainda mais para cima, até enxergar um trono, formado por excrementos humanos e ouro, sobre o qual reinava, com um orgulho idiota, o corpo recoberto por um lençol feito de trapos não lavados de hospital, aquele que se intitula a si mesmo de Criador! Segurava na mão o tronco apodrecido de um homem morto, e o levava, alternadamente, dos olhos ao nariz, e do nariz à boca; uma vez na boca, adivinha-se o que fazia. Seus pés mergulhavam em um vasto charco de sangue em ebulição, em cuja superfície se erguiam, de repente, como tênias através do conteúdo de um penico, duas ou três cabeças prudentes, que logo se abaixavam, com a rapidez da flecha; um pontapé, bem aplicado sobre o osso do nariz, era a recompensa já sabida pela revolta contra o regulamento, ocasionada pela necessidade de respirar em outro ambiente. Até que, nada mais tendo à mão, o Criador, com as duas primeiras garras do pé, agarrou outro mergulhador pelo pescoço, como por meio de uma tenaz, e o ergueu no ar, sobre o lodo avermelhado, molho delicado! Com esse, fazia o mesmo que com o outro. Devorava primeiro a cabeça, as pernas e os braços, e por último o tronco, até que nada mais sobrasse; pois roía seus ossos. E assim prosseguia, durante as outras horas da sua eternidade, sua refeição cruel, mexendo seu maxilar inferior, que mexia sua barba cheia de miolos. Leitor, esse último detalhe não te traz água à boca? Não é qualquer um que come um tal miolo, tão gostoso, bem fresco, que acaba de ser pescado a menos de um quarto de hora, no lago dos peixes. Os membros paralisados, a boca muda, contemplei por algum tempo esse espetáculo. Finalmente, meu peito oprimido não podendo expulsar com suficiente rapidez o ar que dá a vida, os lábios da minha boca se entreabriram, e eu soltei um grito… um grito tão lancinante… que eu o ouvi! Os entraves da minha orelha se desataram de uma maneira brusca, o tímpano rangeu sob o choque dessa massa de ar sonora empurrada para longe de mim com energia, e aconteceu um fenômeno novo no órgão condenado pela natureza.

Eu acabava de ouvir um som!

Um quinto sentido se revelava em mim! Mas que prazer poderia eu encontrar em tal descoberta? Desde então, o som humano só chegou a meus ouvidos com o sentimento da dor que engendra a piedade por uma grande injustiça. Quando alguém falava comigo, lembrava-me do que havia visto, um dia, acima das esferas visíveis, e a tradução dos meus sentimentos sufocados em um uivo impetuoso, cujo timbre era idêntico ao dos meus semelhantes! Mais tarde, quando conheci melhor a humanidade, a esse sentimento de piedade juntou-se um furor intenso contra essa tigresa madrasta, cujos filhotes empedernidos só sabem praguejar e cometer o mal. Audácia da mentira! dizem que o mal só existe neles em estado de exceção!…

Agora acabou, há muito tempo; há muito tempo não dirijo a palavra a ninguém. Ó vós, seja quem fores, quando estiverdes a meu lado, que as cordas da vossa glote não deixem escapar qualquer entonação; e que não procureis, de modo algum, fazer que eu conheça vossa alma com a ajuda da linguagem. Observai um silêncio religioso, que nada interrompa. Eu o disse, desde a visão que me fez conhecer a verdade suprema, o bastante de pesadelos sugou avidamente minha garganta, pelas noites e pelos dias, para que ainda tivesse a coragem de renovar, mesmo em pensamento, os sofrimentos que experimentei nessa hora infernal, que me persegue sem trégua com sua lembrança. Ah! quando ouvirem a avalancha de neve tombar do alto da fria montanha; a leoa a lamentar-se, no deserto árido, pelo desaparecimento dos seus filhotes; a tempestade cumprir seu destino; o condenado mugir, na prisão, na véspera da guilhotina; e o polvo feroz narrar, às ondas do mar, suas vitórias sobre os nadadores e os náufragos, dizei, essas vozes majestosas não são mais belas que o riso de escárnio do homem?"

Md 2:8 (hereticamente mutilado e adaptado)





quinta-feira, 17 de abril de 2014

Rituais de Sofrimento




Inofensivos programas de entretenimento televisivo poderiam ser considerados rituais de sofrimento?

Consideremos aqui jogos competitivos em que participantes se submetem a TUDO para vencer como rituais de sofrimento. Tais rituais e mecanismos de dominação estão em vários produtos televisivos da indústria cultural brasileira, com especial atenção ao maior deles, o Big Brother Brasil, no ar há treze anos. Também podemos abranger programas e filmes de Hollywood que perpetuam a mesma lógica brutal. Assim como no BBB, o assassino Jigsaw da franquia Jogos Mortais, por exemplo, não almeja a morte/eliminação de suas vítimas: ele quer que elas sobrevivam. Mais que isso, que sobrevivam a qualquer preço. 

Para além dos inúmeros recordes acumulados pelo programa Big Brother Brasil, é digno de atenção o espírito que, ao longo de três meses anuais, toma o público. A disputa hipnotiza as cidades como um espectro: sem entender como, sabemos nomes e acontecidos, o programa toma o ar e sufoca. É onipresente; está em todas as mídias e em todas as conversas; suscita contendas nos ônibus e táxis. Mas é na internet que o comprometimento do público toma corpo: sites, grupos de debate, blogs, salas de bate-papo, tuitagens, comunidades virtuais e campanhas inflamadas para a eliminação de fulano ou beltrano proliferam e deixam o rastro do dinheiro, trabalho e tempo oferecidos gratuitamente ao show de horror. Em espaços de reclusão, que pela própria dimensão já inspiram pesquisas acadêmicas, é unânime o desejo do embate feroz entre os aprisionados. Neles, impera o princípio muito bem formulado pelo organizador da rinha: importa muito mais a queda que a salvação. 


Não lidamos aqui com um ritual como outro qualquer, não se trata de uma festa ou do consumo, ambos cerimoniais oferecidos aos deuses do prazer. Trata-se de algo mais perturbador, pois o que se vê nos reality shows é a proliferação de rituais de sofrimento. 


Quais são as molas que movem esse lado fake e nem por isso menos real do mundo em que vivemos? Onde estão as roldanas que dirigem as cordas, quem são as figuras que elas agitam, como o conjunto se fecha sobre si mesmo sem deixar lacunas? 

Apesar de permanecer na sociedade o debate em torno de um de seus discursos de origem, o mote do espetáculo da realidade (reality show) e seu maior apelo junto aos telespectadores é a concorrência, não o voyeurismo. É esse o fundamento que atrai o nosso olhar, pois é o fundamento de nossa reprodução social. 

O princípio violento do BBB não é oculto, pelo contrário, o próprio programa faz questão de afirmá-lo constantemente – e funciona inúmeras vezes como propaganda – ao enfatizar o caráter eliminatório e cruel do jogo. Cada edição impõe a seus participantes situações mais árduas. Não é um jogo de quem ganha. É um jogo de eliminação. Esse saber generalizado, no entanto, não impede que uns se submetam e outros castiguem, nem que aqueles que se submetem também castiguem. Pelo contrário, a participação é a pedra fundamental do espetáculo. Mais que a aceitação passiva desse princípio nem um pouco subjacente, o programa conquista o engajamento ativo, frequentemente maníaco, nessa engrenagem de fazer sofrer.

Big Brother é um jogo cruel, em que o público decide quem sai. Ele dá o poder de o cara que está em casa ir matando pessoas, cortando cabeças. Não é um jogo de quem ganha. Para o cara de casa, é um jogo de quem você elimina.


A dificuldade de se escrever a respeito da ideologia hoje é que para o juízo bastaria a descrição, mas essa já não o (co)move. Se uma pessoa se mostra crítica ou mesmo condoída diante do sofrimento que se avoluma nesse tipo de programa de TV, a ela caberá a pecha de idiota (ou invejosa!). A dominação se mostra a céu aberto em dia claro, sem que se renuncie à sua prática. Todo discurso a respeito de justiça, liberdade, igualdade e até mesmo bondade é descartado com virilidade em nome de uma dura realidade. 
Não são poucas as vezes em que é colocado o problema do sofrimento ao qual são submetidos os participantes e a resposta é: “Mas foram eles que se voluntariaram”. Uma das ideias centrais que sustentam o estado de direito é a da inalienabilidade: não se pode abrir mão da dignidade, por exemplo, mesmo que se queira. Em tese, nenhum contrato assinado pelos participantes de reality shows poderia ser válido em qualquer lugar no qual a democracia e os direitos humanos vigoram. E o problema jurídico posto por essas produções não responde sequer ao paradoxo dos direitos humanos colocado por Hannah Arendt, segundo a qual tais direitos só podem ter vigência quando levados a cabo pelos estados nacionais, ou seja, os apátridas não os têm. Os participantes são cidadãos brasileiros, alemães, norte-americanos, holandeses, argentinos e um longo etc. A vida à disposição da produção de entretenimento a que se assiste em reality shows é um índice mais do que transparente de que vivemos em um estado de exceção permanente, pulverizado e onipresente.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

VOODOOHOP




Antes de falar da minha festa, tenho que fazer uma pequena introdução para entenderem ao máximo o que eu quero falar e sentirem ao menos um pouquinho disso.
Na minha infância era praxe passar as madrugadas conversando com minha tia. Numa dessas, envolto em fumaça de incenso e cigarro, ela me disse que gostava da noite porque ela é melhor, não te exige, não te julga, não espera nada. As pessoas da noite são mais interessantes. Nunca esqueci isso.
A noite as pessoas se soltam, se vestem, se despem. Você pode ser quem quiser. Quem nunca saiu um dia e mentiu o nome experimentando ser uma pessoa completamente diferente? Quem não fez, recomendo. No dia seguinte vc pode não lembrar de nada, ou querer não lembrar. A noite te permite.
E foi assim que essa minha tia me levou a uma boate quando tinha 7 anos, aniversário de um amigo, camarote separado. Mal sabia eu que 11 anos depois estaria trabalhando ali. Não parei mais.
Coloridas.Blackout.Swinger.Eletrônica.Sertaneja.Hetero.Homo.Samba.Pop.Sado-Maso.Artisticas.Gregas.Góticas.
É difícil escolher só uma festa pra falar aqui, principalmente quando sua vida é tomada delas. Com três festas por semana, há 10 anos, temos uma média de 1440 festas, 7200 horas que dão 300 dias. Daqui a pouco posso dizer que já passei um ano inteiro em festa.
Pra escolher uma, tinha de ser A uma. A que mais me identifico e que mostra esse mix das 1440.
Escolhi a Voodoohop.

Voodoohop Neon Ritual from The Silent Walk on Vimeo.


A Voodoohop começou em São Paulo com a idéia de revitalizar lugares abandonados. A festa é itinerante e sempre acontecem nos mais diversos locais, prédios, puteiros, chácaras e afins. É uma mistura de idéias e sensações, música e arte se encontram com djs, vjs, bandas e performances. A entrada ainda é free pra quem vai de bicicleta ou fantasiado na temática da festa. E que temáticas! Neon Ritual, Baile de Los Muertos, Gente Que Transa, Solstício Pagão e vários outros. A forma fez sucesso e hoje a Voodoohop passa também por Brasília, Rio, Salvador, Londres, Paris, Berlin, Madrid, Istambul, Nova Iorque e mais.
Ao ser convidado pra trabalhar nela fiquei lisonjeado, os preparativos começaram. A Voodoohop do Solstício Pagão ocorreria simultâneamente em várias cidades do mundo, exatamente no dia do solstício. Uma espécie de Sabbath de Litha hedonista. O local escolhido foi um clube amplo, com grama e instalações diversas. Uma espécia de tenda inflável foi armada em um ponto, foco de luz, recheada de tintas e panos, chitas, muitas estampas. Além das tendas dos djs, fizeram um enorme círculo de fogo, para o grande ritual. 



Escolhi representar o grande Deus Chifrudo, nossa performance (minha e da minha prima, com quem trabalho) era bem ritualística. O Deus Chifrudo com seu falo ereto que gozava álcool na boca de quem quisesse ser abençoado. O álcool entrava e as pessoas se soltavam, cera quente que dói, mais luzes, cânticos eletrônicos. Mais álcool. Quem quisesse se despia, as chitas rodavam transformando tudo num grande kaleidoscópio. Mais álcool. A cera quente não dói mais tanto. Meninas de biquini pintavam umas as outras com um pau de borracha. Espera, isso foi nessa Voodoohop ou em outra? Mais álcool. A cera quente de repente fica incrivelmente sexy. Uma menina vem chorando, se ajoelha perante a mim e pede um homem, entoo um canto qualquer e finalizo despejando álcool na boca dela com o falo do Chifrudo. Não basta. Ela paga o falo e se molha inteira, dando um banho de vodca em si mesma e finalizando beijando meu próprio membro por cima da calça. Mais álcool. Caio. O bombeiro quer me costurar, tenho de ir pro hospital. Não quero. Não posso abandonar o ritual agora. Na embriaguez peço uma linha da roupa do bombeiro pra me costurar, ele diz que não. Recuso-me a ir e continuo aberto mesmo. Mais álcool, mais tinta. Abraços, beijos, lágrimas, alegrias. Tudo assim, com desconhecidos. Não fala seu nome, não estraga o momento, deixa eu escolher um pra você.



No horizonte o sol começa a levantar, é feito o último círculo. Hora de ir embora. Mais um ritual feito, mais pessoas felizes, menos lembranças na mente. Mais uma noite.






O grande kaleidoscópio voodoo: http://inoyan.narod.ru/kaleidoskop.swf