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terça-feira, 19 de junho de 2012

A TAVERNA VIRTUAL



        Esses dias estava eu lendo sobre o caso Miami Zombie. Como geek que sou, tive um grande entusiasmo na hora, pensando em zumbis apocalípticos e na coisa toda quando me apareceram dois outros casos parecidos: dois jovens que comeram partes de seus colegas. De súbito a euforia foi gerando um certo mal estar; estava tudo indo longe demais. Na hora passei a ler sobre e não me surpreendi quando me apareceu outro ainda pior, sobre um jovem ator pornô gay, que matou o rapaz com quem dividia apartamento e colocou o vídeo na internet. 
        A repulsa é grande, mas a curiosidade é maior. Sou desses que gosta de saber sobre seus gostos e seus fetiches mais estranhos e entender sua percepção. A psiquiatria teria me caído bem. Recorri a um fórum multimidia mundial onde tudo é postado a todo tempo. Os casos já estavam lá, integrantes já tinham hackeado o rádio da polícia de Miami e colocado a dispor de quem se interessasse. Havia o medo de novos casos, haviam pessoas montando grupos de invasão ao hospital para matar as vítimas sobreviventes e assim encerrarem o vírus. Havia gente bem mais preocupada que eu.
          Foi necessário o CDC dos Estados Unidos enviar uma nota de alerta, dizendo que não havia até então um vírus capaz de "reanimar corpos inanimados". Descobriram que o motivo do primeiro caso era uma nova droga fortíssima, que ao ingerida elevava muito o calor do corpo até as pessoas perderem a sensibilidade a dor. Daí o homem ter sido achado nu e sido necessário seis balas para morrer e parar o ataque. Mas não seria isso uma espécie de zumbi? Então o segundo caso aconteceu.
Nesse ponto e com a curiosidade quase explodindo, fui atrás de mais. E se essas histórias todas não fossem tão irreais assim? Comecei a pesquisar, mas parecia alcançar lugar nenhum. Entrei em contato com pessoas do fórum, que foram me mostrando e indicando, até que um perguntou se eu já tinha acessado o "outro lado da internet". Ao dizer que não, passaram-me um programa adequado, que muda o IP a todo instante impedindo o rastreamento e abre um navegador próprio, possibilitando assim a entrada nessa "outra internet". Pesquisando um pouco achei que a parte da internet mais usada é toda aquela que poda ser rastreada e catalogada por sites de busca e afins, enquanto tudo do outro lado não. A começar pelo seu endereço composto por várias letras em total falta de nexo e sua terminação que não é em .com e em nenhuma conhecida.
         Entrei. E é aí que começa essa história.
         Nos primeiros passos recomendaram-me ingerir algo alcoólico pra relaxar um pouco, para digerir melhor o que viria a seguir. Não perguntaram meu nome, nem me disseram os deles. Pelo contrário, deram-me um pseudônimo com login e senha para acessar os mais diversos fóruns e os mais diversos assuntos que tinham aparência de html antiga, lá de 1995. Só sabia que ambos pertencem a um grupo de invasão hacker e trabalham desmascarando a identidade dos malfeitores do "outro lado". Uma breve explicação dizia que as palavras mais pesquisadas em sites de busca eram "sexo" e em segundo lugar "estupro" e daí eu já poderia tirar uma outra face das pessoas. Não estava preparado para o que estava por vir.
         Pensem num submundo, num beco escuro ou na falta de leis e censura. Pense em poder falar e fazer o que quiser, até aquele seu desejo mais íntimo. De colocar toda sua raiva pra fora, de comprar qualquer coisa, de fazer sumir e aparecer. Isso é o "outro lado da internet". Inicialmente me mostraram uma espécie de catálogo do saber, como uma Wikipédia, porém secreta. Lá tudo era descrito e catalogado de acordo com seu país e/ou seu tema. Todos, dos mais diversos. Temos pirateado todos os livros, todas as músicas, todos os filmes. Bibliotecas e mais bibliotecas inteiras ao dispor de um clique. Filmes raríssimos, cenas excluídas e centenas de terabytes de estudo. Sim! TERABYTES, o "outro lado" é 90% maior do que a internet que conhecemos. Muito bom para quem sabe e quer usar, se essa parte não fosse ínfima. 
         A primeira parada foram documentos ensinando as mais diversas coisas: como encontrar dados de uma pessoa usando apenas nome e endereço, como montar as mais diversas armas e bombas, como fazer venenos e também uma página dedicada a fotos estranhas. Levaram-me a um fórum "sleepy" onde homens contavam em detalhes suas experiências em fazerem sexo com pessoas dormindo, algumas naturalmente e a grande maioria por indução. Depois uma página de sado-masoquismo forte, de início permitido, mas depois nem tanto… E aí foi um poço sem fundo. Há um mercado negro de onde vendem de drogas a órgãos e também pessoas, tráfico humano. Sites de guerra com torturas explícitas em fotos e vídeos, principalmente em países do Oriente Médio. Assassino por encomenda. Estupros. Incestos. Câmeras instaladas em cadeias violentas. Fórum de cientistas e médicos que testam suas vacinas e doenças pela água de certas vizinhanças e colhem o dado de cada uma. Sites governamentais que ameaçaram rastrear minha localização (duas vezes), fóruns canibais onde colocavam fotos de suas vítimas e, acreditem, receitas de seus pratos prediletos. Existe até quem se oferece pra ser devorado, escolhendo a parte, horário e local romanticamente, como um encontro de amor.
        Já estava com eles por seis horas, quando me perguntaram se eu queria ir mais a fundo. Que aquilo ali ainda era pouco, havia mais. Pensei por um instante e resolvi ir adiante, que eu conhecesse logo tudo de uma vez, não imaginava coisas piores do que já tinha visto ali. Estava enganado.
        90% de todo o material de pedofilia sai dali. Zoofilia do mais diverso e absurdo tipo. Canibalismo dedicado a partes íntimas (o vídeo do homem comendo o próprio pênis com feijão ficará na minha mente por um bom tempo). Rituais das mais diversas seitas, com cenas dignas de um filme de horror. Ao me apresentarem um de necrofilia com humanos e animais, achei o vídeo do ator pornô gay. Um ato absurdo, unindo psicopatia+necrofilia+canibalismo num mesmo vídeo, ao som da mesma trilha do filme Psicopata Americano. Uma tentativa de Patrick Bateman levado as extremas, mostrando que foi tudo extremamente calculado. De repente vi que as histórias fantásticas não são tão fantasiosas assim e o que dificilmente acreditamos pode ser bem plausível. Disseram que ainda tinham de me apresentar o Coliseu, onde homens lutam até a morte e o fórum killer, onde para entrar é preciso enviar um vídeo seu matando alguém e há um ranking para a morte mais brutal. Preferi não ver, não mais.
        Já cansado após 12h vasculhando o esgoto da mente humana, vi a foto da vítima do Miami Zombie: um mendigo com rosto desfigurado e sem um olho, e aquilo já não me causou tão mal estar como antes, não depois de tudo o que eu tinha visto. Será que é esse o efeito? Começar a ver uma "normalidade" onde não tem? Não dizendo que todos tem potencial de assassinos sádicos, mas observando em pequenos atos, será que assim também passamos a ser insensíveis aos problemas e necessidades alheios? Aquele ato que magoa alguém, aquela "coisa errada" que de primeira gera apreensão, mas da segunda nem tanto. Foi um choque. Um choque pra repensar a vida, as atitudes e observar melhor quem está ao seu lado.   
          Esse relato pode ser fictício. Ou não. Histórias de taverna. 






Um comentário:

  1. Cuidado com isso menino. Você não sabe com quem está brincando.

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