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sábado, 16 de março de 2013

Sábado de sol


10:45 de uma manhã linda em que os meninos jogam futebol e as meninas regam seus girassóis.

Fossem Violetas, as colocaria na janela e deixaria Patrícia narrar uma história bem mais interessante.

Mas Patrícia morreu, eu não sou médium, odeio violetas e o assunto é violência.


Com leituras por finalizar e um ritmo bem mais lento para valsear letrinhas, pensei em correr com a obra do Walter Benjamin para escrever mais tarde. No meio do caminho, tinha uma TV que esqueceram ligada. Lembro-me que, nem tudo são letras, o ritmo e a poesia não estão escritos, resolvo versificar a vida. Então, à TV...

Aos berros, urra o sapo-boi:

"Perdeu nadaaaaaaaaaaa! O diabo quer te fazer acreditar nissooooooooooo. Mas Deus deu ordem lá do céu agora, páááááááára... Quem pode dar um Glória a Deeeeeeeus. Tem alguém aqui no culto ainda?"

Eu, voyeur consciente, observo o tom ofegante dos corações embalados, e o tom assustador do regente da ópera. Pastor, as células do ouvido interno não se regeneram. Qualquer dano causado é irreversível, inclusive a surdez. Ato de amor seria falar mais baixo. Amor? Quê? Este sentimento inescrupuloso não tem nada a ver com isso! Estamos tratando de negócios...


"É esse o boleto da benção, não é pastor?
É o boleto da benção e você pode pagar em 12 vezes sem juros, mas poderá pagar tudo de uma vez também"
Sobre isso não irei falar hoje, quero fugir do asqueroso e nojento lugar comum. Guarde o registro e situe-se da forma como preferir, mas, sinta o clima da congregação!

"Descruza o braço! Homem de Deus não pode ficar com o braço cruzado, tem que estar sempre pronto, preparado!"
Não está falando com o baile todo, não, está falando com um dos seus. O homem está em cima do púpito com os braços cruzados, isso é impossível! Eles são filhos do mesmo Rei. Filhos do sangue que escorre dos ouvidos surdos da congregação. Ele não está aqui.

O mestre de cerimônias se realiza em manobras psicológicas radicais e o debulho em lágrimas cai sobre a comunidade.

Começo a rir. Rir muito alto. Com dores abdominais e falta de ar, gargalhadas saem borbulhando pelo meu umbigo costurado. Gargalhadas. O que é tão engraçado? A reação forçosamente enigmática e procrastinante dos fiéis. Trouxas que pagam o boleto da benção em 12 vezes.

A violência me perpassou...

Eu violento a senhora que gastou a vida naquela igreja e diz em alto e bom som, que, ali, Deus a curou.
Violento o senhor que tira seus óculos e coloca na oferta por ser a única coisa que tem a entregar, violento sem pestanejar.
O pastor me violenta, eu violento as ovelhas dele, e as ovelhas, por sua vez, me violentam porque ontem eu bebi 2 caipiroskas de morango e os bêbados não herdarão o Reino dos Céus.
Me violentam porque eu tenho uma Nossa Senhora de Guadalupe e sou idólatra.
Porque eu estou escrevendo, pensando... porque eu explico a minha fé.

A violência me atingiu...

Somos todos peças deste xadrez, eu sou voyeur consciente.



Um comentário:

  1. Sim. Abordagem interessante pacas, dinâmica que gosto muito. Acho que estas produções literárias serão material de cena...Pilho pra que todos que desejam se expressar pela palavra sejam autores do nosso material literário e se sentirmos necessidade colamos trechos de outras obras...

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