Crítica do psicanalista Patrick de Oliveira para o espetáculo A CARTOMANTE.
A Cartomante é um conto de Machado de Assis que eu sempre gostei muito. Já antigo nas minhas leituras, falei do mesmo em duas ocasiões onde pronunciei um Seminário sobre Triangulação Amorosa e confesso o conto é um dos meus melhores para tratar do assunto a partir da literatura. Quando recebi a informação de que o Grupo Liqüidificador iria apresentá-lo no Teatro em Goiânia, tão logo me animou o desejo de vê no teatro um conto de uma complexidade sem igual. Para minha surpresa o Grupo Liqüidificador dramatizou o conto com uma maestria sem igual. Dentro de um único cenário construído no modelo Teatro de Arena, havia 3 outros cenários: de um lado o quarto do Machado de Assis que na peça assume o papel de escritor e narrador do conto - sim, sim, porque necessariamente o escritor não é o narrador, em Machado os narradores são sempre um personagem oculto. Do outro lado a sala de consulta da cartomante e no meio o mundo de Vilela, Camilo e Rita onde toda a história propriamente dita se descortina). No chão um tapete colorido fazendo um cenário único - lembrando que o espaço é habitat de todos - ali toda trama acontece. Três cenários em um, o movimento se dá em uma sintonia profunda com a platéia, sem distâncias, sem relevo. É um teatro participativo, onde a platéia se mistura com as cena, ao mesmo tempo que possibilita a cena. Impossível não ficar maravilhado com a performance da cartomante que numa leitura afro -brasileira encarnou a imagem da pombagira, um Machado debochado e eloquente, bem como a expressão, o movimento corporal brilhante do descortinado Camilo e a brilhante sisudez de Vilela que não sorri, obstinado e mal resolvido. O que falar da volúpia de Rita e sua capacidade de manipulação, ou melhor, ela acaba refém das suas próprias diabruras. Mas o conto e também a peça está para Camilo, o grande estupim da trama. É Camilo ao meu vê a peça chave de toda história. Entender o conto A Cartomante observando Camilo é uma possibilidade sim, de entender o conto em todas nuanças. Eu me lembrei de Peter Brook (O Teatro e seu espaço), afinal qualquer espaço, pode ser espaço de teatro, lembrei também de Artaud (Le Théâtre et son Double), seu vazio existencial, seu teatro da crueldade onde não há nenhuma distância entre ator e platéia, todos seriam atores e todos fariam parte do processo, ao mesmo tempo. Lembrando de Peter Broock e Artaud impossível não lembrar de Eugênio Barba e Jerzy Grotowski e seu colorido ritual. Lembrei também de José Celso Martinez e seu teatro eloquente, pela ousadia e pela capacidade de inovação. Lacan teria dito que a trágico-morte de Rita e Camilo é a topada do Real que ficou para Vilela. Afinal é Vilela que ficou para contar a história. Por fim, parabéns Grupo Liqüidificador pelo compromisso bem cumprido de transformar em drama-tragédia teatral um conto tão caro a nossa literatura.
Patrick de Oliveira é psicanalista lacaniano em Goiânia. Diretor Geral do Instituto Orí: Psicanálise e Saúde Mental.
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