Era mais um dia de correria. 7h acorda pra poder comer, cagar, fumar e banhar. Sem enrolar pra poder sair e dar tempo de tudo.
Segundo minha agenda pouco usada, o primeiro destino era resgatar pertences encontrados na rua depois de terem sido roubados na cara-dura. Não quaisquer pertences: documentos, papéis e... Meu caderno. Caderno onde tudo era registrado quando existia a disponibilidade de registrar algum pensamento.
Como minha agenda estava apertada, fui apressadamente de encontro com o senhor, que muito gentilmente entrou em contato comigo para alertar sobre a descoberta dos tais pertences.
Procura daqui, procura de lá pelo imenso Teatro Municipal, tinha apenas o nome Marlon Brando para descobrir onde se encontrava o senhor simpático.
Ele apareceu com muita gentileza e receptividade. Agradeci aos céus e a ele por tanto amor e generosidade. Ter telefonado para avisar e ainda ser uma pessoa aberta não se encontra muito por aí. Me levou a um quartinho (como que um vestiário dos trabalhadores do local) para pegar minhas coisas. Procuramos e procuramos. Apenas encontramos um livro, que não era meu, destruído como que pisoteado no carnaval. Mas o resto não estava lá.
Marlon Brando, o senhor de, aparentemente, 50 anos bem vividos, me disse que não sabia exatamente o que tinha encontrado, mas botou o que encontrara no achados-e-perdidos dos Correios da rodoviária ali perto. Não discuti muito, mas não compreendia porquê só o livro havia ficado com ele, já que parecia não ter sido lido, nem aparentar ter despertado o interesse no moço.
- Muito! Mas muito obrigado por isso.
- Não se preocupa.
- Agora é que eu não to mais preocupado! Valeu por me ligar e avisar. Valeu por estar sendo tão legal agora. Não se vê muita gente como o senhor por aí.
- Que isso. Não se vê muitos garotos como você por aí também.
- Não sei nem como... Não sei como agradecer. Não sei como te recompensar, Seu Marlon.
- Preciso de nada não, meu querido. Ta tudo certo. O que fiz foi de coração. Vi sua cara nas fotos. Você é uma pessoa muito bonita.
- Ah, valeu, Seu Marlon.
- Recompensa é você conhecer minha casa. Lá tem o Festival do Morango.
- Claro. Pode ser um ótimo programa.
(Cordialidades e mais blá blá blá do tipo)
- Pois vá, meu querido, que cê ta com pressa, né? Não quero mais tomar seu tempo.
- Tenho que ir mesmo. Obrigado por tudo. Vou lá nos Correios ver no que deu. Tenho que resolver umas coisas ainda. Até! :)
- Até. Mas quero que você saiba que você é muito bonito. Muito mesmo. Deixa eu te acompanhar até a escada.
O que será que vai acontecer? Por que ele me elogia tanto e pega tanto na minha mão? É isso mesmo?
Essa escada é perfeita pra me encurralarem. Assalto ou proteção? Tão simpático, tão generoso. Ta dando em cima de mim? Ta querendo tirar o que me resta de material, ou to sendo neorótico demais?
Ou corria, ou andava ao lado dele pé-ante-pé pra acabar com a minha curiosidade. Bastava esperar uns dez metros para ver o que aconteceria. Meu coração dispara e sinto um pouco de medo. Medo e curiosidade.
Segunda na escada...
Segunda na escada...
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